Olá! Que bom ter você por aqui de novo. Hoje, vamos conversar sobre algo que, à primeira vista, pode parecer simples e exclusivamente infantil, mas que carrega uma profundidade imensa para o desenvolvimento e o bem-estar ao longo de toda a vida: a importância do brincar. Vamos juntos nesse caminho movimentado e colorido, que vai muito além da diversão!
O Brincar como Comportamento Essencial: Uma Perspectiva Comportamental
Desde a filosofia behaviorista radical, que olha para o comportamento como uma função de suas interações com o ambiente, até as abordagens das terapias contextuais, entendemos que o brincar não é apenas um “passatempo”. Ele é um conjunto de repertórios, um conjunto de comportamentos complexos que se desenvolvem e são mantidos por suas consequências. Pensemos: o que acontece quando uma criança ri alto enquanto empilha blocos ou quando um grupo de adultos se sente relaxado ao jogar um jogo de tabuleiro? A alegria, a sensação de realização, a conexão social – todos são reforçadores que aumentam a probabilidade de o brincar ocorrer novamente.
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) nos ensina a observar e registrar esses comportamentos. Ao invés de ver a brincadeira como algo abstrato, podemos analisar os antecedentes (um espaço livre, materiais disponíveis), o comportamento em si (correr no pique-pega, cantar uma canção de roda, imaginar um nova estratégia em um jogo) e as consequências (prazer, aprendizado de habilidades, interação social). As quatro funções do comportamento podem estar presentes onde uma criança pode, como exemplos, brincar para escapar de uma tarefa chata, como ensaio da resolução de problemas, para lidar com o desconforto do tédio ou simplesmente porque a consequência daquela brincadeira está ligada a um vínculo comunitário.
Liberdade Através da Segurança: O Brincar e a Psicologia Positiva
A verdadeira liberdade para brincar – de alguém explorando o mundo ou relaxando em uma atividade lúdica – também surge da segurança de um ambiente previsível e validante. Quando nos sentimos seguros, compreendidos e aceitos, somos mais propensos a nos expor, a experimentar e a nos entregar plenamente à experiência lúdica. Essa segurança é um antecedente poderoso para o aparecimento de comportamentos de brincar espontâneos e criativos.
Essa liberdade contextualizada, que nasce da segurança, é intrinsecamente ligada aos preceitos da psicologia positiva. Ela nos convida a focar não apenas na ausência de sofrimento, mas na construção ativa de bem-estar e na promoção do florescimento humano.
Imagine um ambiente onde as experiências internas – como o medo de errar ou a frustração em uma brincadeira – são acolhidas sem julgamento. Se seu valor é a conexão familiar, brincar com crianças ou adultos da sua família se torna uma ação comprometida e alinhada, mesmo com pequenos desafios. As psicoterapias comportamentais nos ajudam a desvincular-nos de pensamentos autocríticos (“eu sou ruim nisso”) que podem inibir a espontaneidade do brincar, liberando-nos para a experiência. E nessa dança entre a segurança e a liberdade, o flow, um conceito central da psicologia positiva, se revela.
O mindfulness, nos permite estar plenamente presentes na atividade, absorvendo cada sensação e nos libertando de ruminações passadas ou preocupações futuras, dando lugar ao estado de Flow. Nesse contexto seguro e validante, o brincar se torna um terreno fértil para essa mentalidade criativa. Esse estado de fluidez, um conceito central na psicologia positiva, descreve as sensações que temos naquele momento em que estamos tão imersos em uma atividade que perdemos a noção do tempo e de nós mesmos. É quando os desafios da tarefa se alinham perfeitamente com as habilidades que estamos conseguindo explorar nesse cenário de segurança, gerando um senso de prazer, energia extra e foco total. Durante o brincar, a criatividade floresce gerando muito mais repertórios, a curiosidade se expande, a resiliência é testada e fortalecida nos pequenos momentos de frustração, enquanto a capacidade de gratidão e alegria se manifestam espontaneamente.
Essa tolerância ao sofrimento que conseguimos exercitar aos poucos através das diversas terapias comportamentais como a DBT, a Ativação Comportamental e a ACT, nos ajuda a lidar com a frustração de perder um jogo ou não conseguir realizar uma tarefa lúdica, sem que isso nos paralise. Dessa forma a regulação emocional é exercida conjuntamente quando aprendemos a gerenciar a euforia da vitória ou a tristeza da derrota, permitindo que a emoção flua sem nos dominar, um verdadeiro ato de liberdade emocional.
O Brincar: o Corpo e a Comunidade
Quando brincamos estimulamos também o córtex pré-frontal, uma das áreas associadas às Funções Executivas – um conjunto de comportamentos cruciais como o planejamento, a tomada de decisões e o controle da atenção. Aqui, é importante notar a distinção entre as Funções Executivas “frias”, que têm mais a ver com os pensamentos abstratos, e as Funções Executivas “quentes”, que estão intimamente ligadas às emoções, à motivação e aos contextos sociais e afetivos (como a capacidade de controlar um impulso de raiva em uma brincadeira). Dessa forma, o brincar também modula a amígdala, impactando a gestão do medo e da ansiedade.
Todas essas interações cerebrais reverberam por todo o nosso corpo através de mudanças bioquímicas. A forma como respiramos, por exemplo, não é apenas um ato fisiológico, mas um poderoso regulador emocional. Padrões de respiração específicos podem alterar a atividade do sistema nervoso, influenciando diretamente o equilíbrio entre as funções executivas “quentes” e “frias”. Uma respiração mais lenta e profunda, por exemplo, pode ativar o sistema que promove um estado associado à maior calma e relaxamento – facilitando a ativação das funções executivas “frias” para um planejamento mais racional e a tomada de decisões ponderadas – e otimizar a resposta das funções “quentes” ao permitir uma melhor regulação emocional. Em contraste, uma respiração rápida e superficial, comum em estados de estresse, pode superativar a amígdala e as funções executivas “quentes”, tornando-nos mais propensos a agir de pronto, diminuindo momentaneamente a capacidade pensar com clareza. Alterações na respiração podem, portanto, fazer com que estejamos mais propensos à atividade ou mais inibidos.
Do ponto de vista comunitário, o brincar é um poderoso motor de desenvolvimento social, principalmente associado aos jogos, em que introduzimos regras estruturando a brincadeira. Com isso aprendemos empatia, negociação, cooperação e respeito. Essa forma de manutenção do vínculo com a comunidade fortalece os laços sociais e faz com que possamos ressaltar as forças de cada um de seus membros.
Além de construir laços, o brincar em contextos estruturados como dos jogos competitivos também se mostra um terreno fértil para a resolução de conflitos sociais, assim como políticos. No campo de jogo, as regras predefinidas criam um microambiente onde desavenças são mediadas, decisões são contestadas e aceitas (ou não), e a necessidade de colaboração em equipe muitas vezes supera as diferenças individuais. Pense em como o futebol, por exemplo, pode unir comunidades e até mesmo nações, transformando rivalidades em um espetáculo de jogo limpo e respeito mútuo, quando temos a representação de ideias e ideais em disputas contra outros.
A Dignidade do Brincar
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta da Criança e do Adolescente (seção 11 da Declaração dos Direitos da Criança) reafirmam que a brincadeira é essencial para o desenvolvimento pleno. A dignidade no trabalho, por exemplo, também passa pela capacidade de ter momentos de lazer e descontração, essenciais para o bem-estar psicológico e a prevenção do burnout.
A OMS, PAHO e o Ministério da Saúde do Brasil, em suas diretrizes, reconhecem o brincar e o lazer como promotores de saúde mental e prevenção de doenças. Em vez de apenas tratar o sofrimento, buscamos construir bem-estar, e essas terapias e estratégias terapeuticas nos mostram o caminho, focando na promoção e na recuperação do bem-estar, utilizando abordagens baseadas em forças. O brincar pode ser um catalisador para identificar e fortalecer as virtudes individuais, como a criatividade, a resiliência e a capacidade de conexão.
Um Dia de Redescoberta: O Brincar no Cuidado Integral
Era uma tarde de terça-feira no Centro de Referência da Pessoa Idosa, um serviço de Belo Horizonte, assim como de outras cidades do país. Marcos, um senhor de 68 anos que estava em investigação de um quadro de ansiedade social e de depressão que só piorou após a aposentadoria, relutava em participar das atividades. Havia muito tempo que não sentia o desejo de interagir, e a ideia de “brincar” lhe parecia infantil e sem propósito para alguém da sua idade e que viveu tantos anos na dura necessidade de trabalhar para garantir o mínimo para sobreviver.
A assistente social do serviço, com um tom cordial e empático, sentou-se ao lado dele. “Seu Marcos, é estranho, mas a gente tá aqui para explorar como você se sente bem. Não tem obrigação, mas você não quer ir lá ver as pessoas jogando xadrez? Não precisa jogar, só ir lá ver.”. Essa abordagem, que respeita o tempo e a autonomia de Marcos, e valida seus sentimentos de desconforto inicial, é guiada pela compreensão de que o sofrimento é multifacetado e exige uma resposta que observa o quadro todo e seu contexto, não só a pintura.
Marcos, timidamente, observou. A princípio, viu apenas um jogo complicado, mas então notou os sorrisos, as brincadeiras com as palavras, os gestos de apoio entre os participantes. O som das peças, as risadas, os comentários leves – tudo aquilo começou a evocar nele uma sensação de familiaridade e leveza há muito perdida. O “mindfulness” daquele momento, de estar ali, presente, observando sem julgamento, foi um primeiro passo para a tolerância ao sofrimento de sua ansiedade.
Um dos participantes, percebendo sua curiosidade, perguntou: “Quer aprender, Marcos?”. Ele hesitou, mas a coragem o impulsionou. Aceitou. As primeiras jogadas foram hesitantes, na tentativa de entender aquelas regras que pareciam ser tão difíceis, mas o reforço positivo da equipe (“Isso, seu Marcos! Boa!”) e dos colegas (“É assim mesmo no começo. A gente pega o jeito!”) fez uma diferença imensa. Pequenos sucessos, como conseguir movimentar uma peça de acordo com as regras, eram uma consequência que aumentava as chances dele continuar.
Em poucas semanas, Marcos estava jogando xadrez com alguma desenvoltura, e mais: estava rindo, contando histórias, e até ensinando os novatos as regras iniciais. A equipe observou que seu comportamento de evitar socializar diminuiu significativamente (dado observacional). A interação lúdica no Centro de Referência não só quebrou o isolamento, mas também ativou suas forças de caráter – como a sociabilidade e a alegria.
O brincar proporcionou a Marcos não apenas diversão, mas um caminho para a regulação emocional através da interação, um espaço para a aceitação de suas próprias limitações e a ação comprometida com seu bem-estar, tudo dentro de uma rede de apoio que valorizava sua dignidade e autonomia. Além disso, trabalhou no jogo de forma constante as habilidades que exigiam planejamento e estratégia, podendo usá-las depois. Montou um pequeno clube de xadrez no Centro de Referência, pediu apoio dos profissionais no diálogo com a prefeitura e fizeram um campeonato de xadrez com algumas premiações, como livros teóricos para que pudessem estudar ainda mais essa nova paixão.
Seu Convite à Brincadeira e ao Bem-Estar
Que a história de Marcos nos inspire a redescobrir a importância do brincar em nossas vidas, independentemente da idade. É um direito, um facilitador de conexões, um promotor de saúde mental e uma poderosa ferramenta para a autonomia e a dignidade.
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